Data

A tradição e o legado dos colonos

O dia 25 de julho lembra a chegada dos primeiros imigrantes ao Brasil, em 1824

Jô Folha -

"Se o quero-quero faz seu ninho alto é porque vai ser um inverno molhado. Se for mais perto do chão, mais seco." O conhecimento empírico de seu Roberto Hartwig, 72, por vezes dá mais certo que as previsões meteorológicas. Não que ele seja contra tecnologias, pelo contrário. Mas é que a experiência com o campo, herdada dos antepassados, imigrantes alemães e pomeranos que se fixaram entre Pelotas e São Lourenço do Sul há 164 anos, lhe permite arriscar quando, onde e o quê se deve plantar. Assim, a família hoje tem sete de seus 18,7 hectares de terra em Monte Bonito destinados a uma variada cultura, valorizando a agricultura familiar e, principalmente a figura do colono, celebrado neste 25 de julho.

A data lembra a chegada dos primeiros imigrantes ao Brasil, em 1824, e, por isso, mesmo fazendo parte da segunda leva de imigrantes (vinda da Europa em 1858), Hartwig se sente orgulhoso de ser "doutorado" no campo e de plantar essa semente no coração de Jaques Drawanz Hartwig, 34. O filho deixou a cidade e voltou para a lavoura quando o pai e a mãe, Maria Elena Drawanz Hartwig, 64, estavam prestes a "pendurar as chuteiras". O jovem técnico em eletromecânica deixou Caxias do Sul para manter a tradição da família. A parceria já tem cinco anos e, neste período, foram feitos investimentos com estufas, galpões e sistema para irrigação que garantem trabalho e renda o ano inteiro. "No verão temos mais de 40 variedades. Na estação mais fria, são poucas as que resistem, como a beterraba, alface, morango e os oito temperos cultivados", diz Maria Elena.

A relação dos Hartwig com a natureza transcende e por isso o patriarca a respeita, pois diz sentir na pele quando o clima instável _ adversário das lavouras _ mostra seu poder. A reboque das intempéries estão os custos com a produção que não acompanham o valor pago pelos hortifrutigranjeiros. "Os insumos estão muitos caros e se repassamos para os clientes na feira, eles vão deixar de comprar, ou consumir menos, pois também enfrentam queda no poder aquisitivo", ressalta. Os alimentos comercializados na feira de sábado e também em restaurantes levoram a família a pensar em uma produção mais natural e saudável, reduzindo bastante o uso de agrotóxicos. "O preço para o produtor não está bom, mas a maior satisfação é ver uma alface bonita", revela o filho agricultor.

Para obter esse resultado, além de um bom solo, o amor pelo trabalho que traduz a trajetória dos colonos na região tem boa parcela de contribuição. Hartwig costuma levantar antes do sol, às 5h30min, tomar o café e ir para a lida. "Gosto de contemplar a natureza. Vejo o sol nascer e se pôr", diz, emocionado. O cuidado com o ambiente é tanto que até a Irapuã (abelha social brasileira), que permanecia em volta durante a reportagem, foi gentilmente retirada para não ser machucada.

No entanto, nem só de tradição a produção colonial vive. A tecnologia também é aliada. No caso dos Hartwig, o cultivo dos morangos é feito em estufa, com direito a instrumentos que monitoram temperatura e umidade. O resultado é uma fruta de qualidade, que pode ser saboreada do pé.

Origem

Da família de dez irmãos, apenas dois seguem no campo, o que não chega a comprometer a preservação da cultura germânica dos Hartwig. Segundo um deles, Roberto, a pressa do dia a dia acaba por prejudicar algumas tradições como as reuniões constantes dos parentes, por exemplo. Por outro lado, Maria Elena ressalta a presença do dialeto pomerano, ainda mantida.

A esperança da família é manter o homem no campo. "Acho que somos um caso raro aqui na estrada da Gama, pois vários produtores da redondeza foram morar na cidade", lamenta Jaques, filho de Roberto, que mantém canal no Instagram (@vlda_do_agro) para falar das coisas da terra. O esforço do jovem agricultor é traduzido em números. Segundo levantamento da Emater, Pelotas tinha 55.177 habitantes na zona rural em 1980. Vinte anos depois, caiu para 22.082, conforme o último dado oficial do IBGE, uma redução de quase 60%. Segundo o Censo Agropecuário, em 2006 existiam 3.596 estabelecimentos rurais, que diminuíram para 2.697 em 2017. Desse total, 2.617 possuem até cem hectares, o que demonstra a prevalência da pequena propriedade.


Contribuição

Conforme os extensionistas rurais da Emater, o engenheiro agrônomo Francisco de Arruda e o sociólogo Robson Loeck, os colonos em Pelotas são em sua maioria alemães/pomeranos e mantêm hábitos reservados. Isso, segundo eles, tem relação com as situações vivenciadas pelos primeiros imigrantes e que perduram até hoje. Isto porque, quando chegaram, encontraram situações adversas, entre elas a de habitar áreas isoladas e ter que desmatar para preparar as lavouras para subsistência. A produção era realizada pelos membros da família e, aos poucos, a junção de várias delas foi formando comunidades que tinham as escolas e as igrejas construídas pelos próprios colonos como referência. O que continua forte até os dias atuais no interior. Além da mão de obra familiar e da subsistência, há a característica da policultura.

"Caso Pelotas não seja o município do Estado com maior diversificação de culturas, com certeza está entre os mais diversificados", diz Arruda. Hortaliças, leite, pêssego, tabaco, milho, morango, soja, arroz, feijão, batata, árvores frutíferas e a criação de animais, como suínos e aves, estão presentes. Para o vice-prefeito e titular da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), Idemar Barz (PSDB), a imigração alemã para Pelotas foi e é fundamental para a cidade, assim como para todo o Estado. "Trouxe desenvolvimento e contribuiu com o progresso do Rio Grande do Sul através da cultura e do conhecimento desse povo que também povoou a região de Pelotas, se iniciando na primeira metade do século 19, principalmente na colonização da nossa zona rural."


Um pedaço da Pomerânia

De acordo com as professoras Vania Grim Thies e Patrícia Weiduschadt da Faculdade de Educação da UFPel, os primeiros imigrantes pomeranos chegaram a São Lourenço do Sul em 1858, fruto de investimento privado de colonização de Jacob Rheingantz, e se instalaram primeiramente nas regiões rurais. A Pomerânia ficava nas costas do mar Báltico e, na época da imigração, era uma província da Prússia que, com a união dos estados alemães, em 1871, passou a fazer parte do Império. Até o ano de 1945 a Pomerânia estava dividida entre Ocidental e Oriental, mas a partir da derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, a parte oriental é anexada à Polônia e a ocidental fica para a Alemanha. "A Pomerânia, como tal, desapareceu do mapa da Europa e, pelo contexto de disputas territoriais, seus descendentes são considerados um grupo étnico com características próprias e peculiares, mantendo língua e costumes diferenciados de outros grupos alemães", contam.

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